Antecipação
Eu sofro por antecipação.
Espero a morte certeira quando nem ela mesma está pensando nisso.
Espero a juventude acabar na sua flor, ela se cansa de mim e diz que vai descansar para não ficar velha antes da hora.
Tenho rugas de preocupação desde os 15 anos, só de me preocupar com a velhice.
Mentira, não é ela que me preocupa, que me faz sofrer, revirar na cama e reviver o mau humor.
É o fim.
O fim de mim, o fim da árvore no jardim, do cachorro idoso que late na esquina, o fim do dia e o ano novo que vem aí. E se ele não chegar para mim?
Sofro, pois essa doença de ser apegada nas coisas se apega fácil nas pessoas de coração fraco e nome de flor.
Sou apegada ao tempo que corre e eu não alcanço, sou apegada no conforto da poltrona que talvez amanhã não esteja aqui.
Apego-me a minha imagem formosa dos vinte anos, a minha irresponsabilidade da falta de juízo e da paz das tardes de domingo.
Sofro, pois entendo do fim mais do que ninguém.
Sinto o sol morrer no horizonte e por ele me encho de melancolia, pobre, ninguém se importa com sua morte diária. Ninguém percebe que junto do sol vai também meio dia de vida própria, que o poente nos empurra dentro do buraco negro do fim?
Sofro o correr das horas, gostava tantos dos minutos que a pouco foram meus!
E não espero pelo amanhã como se fosse uma promessa, pois veja bem, do que adianta amá-lo e nele depositar minhas esperanças se em breve ele também será devorado pela morte, pelo encerramento, pela inexistência?
Sofro por antecipação da dor.
Essa é a única que parece não encontrar uma cova para se enterrar dentro de mim.
G.